#12 Resenha: Composição para além-vértebras, de Magno Almeida.

O autor alagoano Magno Almeida publicou o seu segundo livro, “Composição para além-vértebras”, onde trata sobre temas como a composição de poemas e as descobertas sexuais. Na verdade, a impressão que tive é que os temas, apesar de relevantes, são apenas um pano de fundo para algo bem mais profundo: o que o poeta parece tentar fazer é pincelar reflexões acerca da realidade e do fazer poético. Ele tenta escancarar, desse modo, as vértebras para além do material de composição. Por meio de imagens cotidianas, as vozes líricas presentes nos poemas de Magno Almeida são lançadas, meio que de maneira súbita, em reflexões existenciais, tirando-as do torpor da rotina.

Outro ponto interessante é o uso consciente das inúmeras referências que o poeta faz em sua obra. Nenhuma delas me pareceu estar ali apenas como uma forma de mostrar bagagem de conhecimento, e sim para fazer crescer mais ramos de significados, o que torna mais complexo o trabalho de Almeida. Quanto às referências, elas passam por vários campos culturais, desde bandas de rock alternativo (a referência ao disco de The Smashing Pumpkins é bem divertida) a poetas consagrados na nossa literatura, como Ana Cristina César e Ferreira Gullar.

“Composição para além-vértebras” é uma obra interessante de um poeta que merece ser mais conhecido. Isso me faz pensar que às vezes, distraídos em meio a tantos outros poetas famosos, acabamos perdendo a chance de nos depararmos com surpresas tão boas como essa.

AUSÊNCIA OU CORPO-NINGUÉM

balbuciar

grunhir

emitir qualquer som

assemelhando

chamamento

um animal pré-histórico

um cão atropelado

ruína

intuição:

corpo-ninguém

 

 

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#11 Resenha: O Menino e o Pinto do Menino, de Wander Piroli.

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O Menino e o Pinto do Menino foi considerado um marco na literatura para jovens em sua primeira publicação, que se deu no ano de 1975. Embora não seja o tipo de literatura que mais leio, é difícil não se deixar tocar pela história e pela prosa realista do mineiro Wander Piroli. De forma bastante crua e sincera, sem exageros de sentimentalismo, o autor constrói a narrativa de Bumba, um menino de quatro anos que ganhou de sua professora (ou não) um pintinho de verdade. Com diálogos curtos, calcados de coloquialismo, vemos a afeição do garoto pelo seu novo bichinho, algo tão comum na infância, quando queríamos cuidar de um passarinho que havia caído do ninho, ou de um filhote de cachorro perdido pelas ruas. Partindo dessa premissa simples, Piroli trabalha com a questão da morte e da vida, cruel demais para sempre respeitar as nossas expectativas e desejos. Aos poucos, o escritor também retrata o cotidiano urbano de uma família tipicamente brasileira de classe média em Belo Horizonte, citando ruas e locais conhecidos da capital mineira.

O Menino e o Pinto do Menino é um conto bastante realista. A alternância entre a cor verde e branca presentes nas ilustrações, feitas por Lelis nessa edição da Cosac&Naify, também pode ter algum significado: a oscilação entre a vida e a esperança que vibram (verde); e a morte e a preocupação, que complicam (branco).

 

 

A opinião alheia

É comum ouvir dizer que para sermos mais felizes e livres devemos deixar de nos importar com a opinião alheia, mas aqueles que dizem que não se importam com isso devem estar mentindo, pois no fundo, bem lá nos recônditos da consciência (ou talvez nem precisamos ir tão a fundo para perceber) notaremos que a nossa imagem na comunidade em que estamos inseridos nos é, sim, cara. Pode não ser importante para você a opinião de um desconhecido ou de um colega, mas você ao menos se importa com o que outras pessoas mais próximas de você pensam de você. Quando escrevemos um texto, nós ao menos temos o cuidado de nos autocorrigirmos para evitar situações constrangedoras na frente de todo aquele nosso círculo de amizades que pertencem à rede social onde postamos o que escrevemos, e fazemos isso porque nos importamos. Quando nos arrumamos para um encontro, nada nem sempre parece bom, mesmo que nós estejamos lindos e elegantes, ainda assim, aos nossos olhos hipersensitivos, haverá um defeito mínimo para que teçamos críticas a nós mesmos, e nos importamos. Quando tropeçamos na rua e o rosto arde porque temos a horrível sensação de que todos os sujeitos que estão naquela rua estão nos encarando naquele exato momento e talvez até rindo de nós por termos tropeçado por pura desatenção, isso ocorre porque nos importamos. E importa porque somos inseguros, uns mais do que os outros; importa porque temos medos que, embora diferentes em muitos aspectos, variando de sujeito para sujeito, nos acompanham por toda a vida; importa porque amamos muitas pessoas e confiamos no parecer delas sobre as coisas que nos cercam e sobre aquilo que somos. Estamos presos na opinião do outro, mesmo que de forma mínima, mesmo que de forma tão sutil que quase não percebemos, e às vezes não percebemos e dizemos que não nos importamos com opiniões, quando, na realidade, nos importamos tanto que muitas vezes não conseguimos dizer aquilo que realmente sentimos e pensamos porque estamos presos no que o outro pensa ou irá pensar. Às vezes, nos escondemos, e até mesmo quem é muito sincero e aparecido se esconde, pois há coisas que não podemos nem pensar em ser ditas, e não são ditas porque doem, e doem porque nos importamos com o parecer do outro.

#10 Fragmentos poéticos em vermelho ou Resenha: Vermelho Amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós.

Resultado de imagem para vermelho amargo bartolomeu campos de queirósAs cores possuem diversos significados conforme o contexto cultural em que estão inseridas. A cor em questão é o vermelho, símbolo de revolução e manifestação para os comunistas; de pecado e tentação, ou de caridade e vitalidade para os católicos; de mau presságio e perigo para os egípcios; de prosperidade e fortuna para os chineses. Pensando nisso, ao ler Vermelho Amargo, do mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, é impossível não reparar na influência do significado que é atribuído a essa cor. 

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#09 Resenha: Becos da Memória, de Conceição Evaristo.

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É com muito prazer que venho resenhar outro livro da maravilhosa Conceição Evaristo.

A expressão comum “relembrar é viver” se encaixa perfeitamente ao segundo romance da mineira Conceição Evaristo. Por meio de lembranças de diversos passados, a autora tece a narrativa de Becos da Memória, discorrendo sobre sua tese de que a favela contemporânea é a senzala de antes. E faz isso muito bem.

 

 

A narrativa de Becos ocorre de maneira emaranhada, bagunçada, distorcida, como becos numa favela. A cada pequeno capítulo, uma lembrança de um passado distante na memória das pessoas que moram na favela é construída; em outros, temos os eventos no presente da narrativa e a situação cada vez mais angustiante dos mesmos moradores ao assistirem o único lugar seguro que tinham como seu ser destruído, mesmo que tal lugar fosse precário. Pelo olhar dos diversos personagens, moradores de uma favela que será destruída para dar lugar a uma construção de homens ricos, vemos o desespero em que eles se encontram. As diferentes vozes narrativas aumentam a riqueza e a complexidade de cada habitante da favela, dando profundidade à maneira como a autora os constrói, algo característico no outro romance da autora, Ponciá Vicêncio, e também em seus contos.

Em Becos da Memória, temos a perda da esperança, o crescer do medo, da desigualdade, da morte precoce. No entanto, senti que Conceição Evaristo deixa uma mísera presença da esperança no fim do romance. Apesar de toda a destruição e das situações tenebrosas que os personagens passam, ainda resta aquele sentimento de que, por meio do recomeço, a situação em que os moradores se encontram há de melhorar.

Essa nova edição da obra, lançada pela editora Pallas, teve uma revisão da autora, além de textos de acréscimo com interpretações de estudiosas acerca do romance de Conceição Evaristo. Em suma, Becos da Memória teve o tratamento que merecia.

#08 Resenha: Toda Poesia – Ferreira Gullar

Resultado de imagem para toda poesia ferreira gullarPoeta já citado no blog anteriormente, Gullar (1930-2016) é considerado pela crítica especializada como uma das últimas vozes mais marcantes da poesia brasileira. As consagrações fazem jus ao trabalho desse autor maranhense, que além de escrever poemas ilustres, também se aventurou em contos, crônicas, ensaios, peças de teatro, dentre outras formas de produção.  No caso, a edição de toda a poesia gullariana utilizada para esta resenha, está desatualizada, pois nela são encontrados apenas os poemas escritos até o ano de 1999, ficando de fora  a produção poética póstuma do autor.  Consta nesta edição, também, um texto de apresentação escrito por Sérgio Buarque de Holanda, que embora muito curto, incita o leitor a descobrir o que há de tão especial e grandioso na poesia de Gullar.

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#03 Pensar fragmentado

Tiro o telefone do gancho:

EU: Alô?

VOZ: Você conseguiria viver recluso numa casca de noz?

EU: Quê? Quem fala?

VOZ: Um amigo. Agora me diz: conseguiria?

EU: Desculpa, não sei quem é. Como assim? Casca de noz?

VOZ:  Não se preocupe. Sou um amigo seu. Aposto que você sabe quem. Apenas me responda…

EU: Por quê?

VOZ: É muito importante.

EU: Tá bom… Não conseguiria. Viver recluso é muito difícil e doloroso.

VOZ: O quê?! Mas você é um ser recluso! Seu mentiroso!

EU: Como…?! Você é louco?!

VOZ: Eu não. Você é quem é!

Só neste momento percebi o aterrador fato: meu telefone nunca havia tocado.


sabe senhor, eu tinha essa ideia na cabeça de que quem não lia era gente burra, de que só porque eu devorava livros por ter mais tempo e mais dinheiro que os outros e por saber assinar meu nome eu estava, de alguma forma, acima de alguém, de minha família ou de meus amantes… meus homens, sim, às vezes tenho amantes mulheres, minhas, também, sabe, não me importo, pra mim corpo é corpo, e afeto pode vir de qualquer lado, seja fêmea, seja macho, e não olho isso de ser um ou outro, aquele ou aquela, o que me for mais agradável há de ficar comigo, sabe, tira essa cara de espanto, senhor, sei que o senhor é velho e vem de uma geração onde essas múltiplas sexualidades eram estranhas… quer que eu mude de assunto? tá bom, bem, como eu estava dizendo, senhor, tinha essa ideia tola de que quem lê é melhor do que quem não lê, e pode até ser, alguns vão concordar, mas sabe, eu vi isso, sabe, minha avó conversando com as irmãs dela e ela disse que a morte é rápida como comer ou fazer xixi, que é tão normal como a mais banal ação humana, e eu nunca esperava uma fala dessas vindo dela, que não sabe nem ler direito por causa das vistas, a medíocre, opa, desculpa, é politicamente incorreto, a coitada… bem, voltando ao raciocínio, senhor, eu percebi, logo após presenciar essa cena, que os que não leem ou não estudam tem a capacidade de filosofar, assim como eu que já li Sócrates, Sartre, Kierkegaard e… ah, desculpe, o senhor não conhece esses nomes, senhor, me esqueci, o senhor também é medíocre, eita, coitado, como a minha avó, sabe, espero que, depois dessa epifania, eu possa ser mais humilde, pois quem lê é sempre humilde, quem lê é sempre mais empático com outras culturas e outros povos, sabe, é comprovado cientificamente, sabe, as pessoas que leem são sempre as melhores pessoas, e creio que você há de concordar comigo, porque tudo o que lhe falei é a mais pura verdade, está escrito, escrito, e o que está escrito e comprovado pela ciência, a mãe de todos nós, não pode ser desmentido, não pode ser contradito, e eu estudei tudo isso, eu leio e sei disso tudo, sei mais que você, não é mesmo, senhor, não é?

#06 Poesia estranha

Certa vez, vi na estante de livros de uma colega o livrinho de título curioso, Rabo 

30783809de Baleia, da carioca Alice Sant’Anna. Lembro que o folheei, li um verso aqui e outro ali, e só. Por alguma estranha razão eu nunca havia me esquecido do título desse livro, mesmo sem saber da principal temática abordada pela autora nos poemas, se o uso do verso era livre ou não, se os poemas valiam a leitura ou não, etc.
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#05 Salazar, Deus e estranhezas.

Nunca antes, após as revoluções feministas ocorridas no século XX, foram debatidasResultado de imagem para marido e outros contos tantas questões acerca da posição da mulher no mundo dentro de obras literárias. Obviamente que figuras ilustres já haviam se atentado para essa questão em séculos passados, tais como Jane Austen e Beatriz Francisca de Assis Brandão, mulheres que se destacaram pelo simples fato de se alfabetizarem e entrarem no campo literário, sendo este majoritariamente dominado por homens. Entretanto, o debate feminista e em denúncia ao machismo ganhou e vem ganhando força, não apenas na nossa sociedade contemporânea, mas também em vários outros países do mundo.

Como um excelente exemplo da representação do machismo na literatura contemporânea, temos o conto ‘Marido’, presente na obra “Marido e outros contos”, publicada em 1998 pela Publicações Dom Quixote, da algarvia Lídia Jorge. Nessa narrativa, a autora descreve o cotidiano de Lúcia, uma porteira de um prédio que sofre abusos do marido alcoólatra. Continuar lendo