#06 Poesia estranha

Certa vez, vi na estante de livros de uma colega o livrinho de título curioso, Rabo 

30783809de Baleia, da carioca Alice Sant’Anna. Lembro que o folheei, li um verso aqui e outro ali, e só. Por alguma estranha razão eu nunca havia me esquecido do título desse livro, mesmo sem saber da principal temática abordada pela autora nos poemas, se o uso do verso era livre ou não, se os poemas valiam a leitura ou não, etc.

 

Acabei por optar em correr o risco e comprei o livro, meses depois, e enquanto eu protelava a leitura oficial dele, lia alguns dos poemas de forma esparsa e me sentia estranho. Estranho porque os poemas são igualmente estranhos. Penso que existem diversos jeitos de estranhezas, mas no que se refere a essa sensação especificamente, o estranho, no caso, era um estranho daquele tipo que me fazia franzir a testa, fazer caretas e reler os versos pra tentar entender o motivo de os poemas serem tão estranhos.

Acho que o que me causou tal estranheza foi o fato de perceber que os poemas são secos, mas ainda assim possuem lirismo. O lirismo aqui não se manifesta em grandes explosões sentimentais, delírios apaixonantes ou obsessivas tentativas poéticas de metaforizar tudo. Ele se dá através de poemas que, à primeira leitura, chegam a ser risíveis tamanha a banalidade contida neles, mas após um olhar mais insistente, percebemos algo ali e sentimos um grande vazio e que está presente nas nossas trivialidades. Está aí a causa dessa estranheza que tentei descrever acima: o cotidiano banal do homem contemporâneo é seco. Estamos tão atolados em trabalho, precisamos mostrar a nossa rotina para o mundo pelas redes sociais e o nosso tempo nos dias é tão curto que já não conseguimos parar para amar, contar histórias,  saborear o almoço (também feito às pressas),e nem pra apreciar um poema temos tempo.

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Obviamente que as situações descritas anteriormente não dizem respeito a todas as pessoas, mas creio que muitos de nós levamos a vida assim, em completa correria, com o tédio a pairar como um espectro nas nossas rotinas. E é assim que Alice Sant’Anna monta seus poemas: de forma seca, sem enfeitar demais as palavras, deixando em evidência trivialidades vazias de grandes euforias, mas mostradas com a observação aguçada e delicada que apenas uma ótima poeta poderia perceber.

Há um uso insistente do verso livre nos poemas de Alice Sant’Anna, quase sem pontuação alguma. O leitor não sabe onde começa, onde acaba, onde para para respirar, ou para engolir a saliva caso a leitura se dê em voz alta. Isso faz a leitura fluir naturalmente (ou não), já que nós mesmos precisamos tentar construir um ritmo para os poemas, e além disso tal técnica acaba por ampliar a diversidade de interpretações.

Por fim, deixo aqui um dos poemas que mais me intrigou, que acho que se trata de certa passividade diante o cotidiano:

 

Impossível sentar-se diante de tantas cadeiras

que aguardam o momento

em que serão úteis

 

as costas espalmadas são pacientes 

podem ficar para sempre na espera

 

os pés das cadeiras quando tombam

apontam para cima

são insetos de casca redonda

que não desviram sozinhos

 

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