É com muito prazer que venho resenhar outro livro da maravilhosa Conceição Evaristo.
A expressão comum “relembrar é viver” se encaixa perfeitamente ao segundo romance da mineira Conceição Evaristo. Por meio de lembranças de diversos passados, a autora tece a narrativa de Becos da Memória, discorrendo sobre sua tese de que a favela contemporânea é a senzala de antes. E faz isso muito bem.
A narrativa de Becos ocorre de maneira emaranhada, bagunçada, distorcida, como becos numa favela. A cada pequeno capítulo, uma lembrança de um passado distante na memória das pessoas que moram na favela é construída; em outros, temos os eventos no presente da narrativa e a situação cada vez mais angustiante dos mesmos moradores ao assistirem o único lugar seguro que tinham como seu ser destruído, mesmo que tal lugar fosse precário. Pelo olhar dos diversos personagens, moradores de uma favela que será destruída para dar lugar a uma construção de homens ricos, vemos o desespero em que eles se encontram. As diferentes vozes narrativas aumentam a riqueza e a complexidade de cada habitante da favela, dando profundidade à maneira como a autora os constrói, algo característico no outro romance da autora, Ponciá Vicêncio, e também em seus contos.
Em Becos da Memória, temos a perda da esperança, o crescer do medo, da desigualdade, da morte precoce. No entanto, senti que Conceição Evaristo deixa uma mísera presença da esperança no fim do romance. Apesar de toda a destruição e das situações tenebrosas que os personagens passam, ainda resta aquele sentimento de que, por meio do recomeço, a situação em que os moradores se encontram há de melhorar.
Essa nova edição da obra, lançada pela editora Pallas, teve uma revisão da autora, além de textos de acréscimo com interpretações de estudiosas acerca do romance de Conceição Evaristo. Em suma, Becos da Memória teve o tratamento que merecia.