As cores possuem diversos significados conforme o contexto cultural em que estão inseridas. A cor em questão é o vermelho, símbolo de revolução e manifestação para os comunistas; de pecado e tentação, ou de caridade e vitalidade para os católicos; de mau presságio e perigo para os egípcios; de prosperidade e fortuna para os chineses. Pensando nisso, ao ler Vermelho Amargo, do mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, é impossível não reparar na influência do significado que é atribuído a essa cor.
Vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura de 2012 como Melhor Livro do Ano, o enredo em questão parte das memórias dolorosas da infância de um narrador anônimo. Aliás, nenhum dos personagens apresentados possuem nomes próprios: eles apenas recebem substantivos comuns: facetas daqueles que antes compunham o convívio social do protagonista. Logo, a voz narrativa, por ter memórias dolorosas de seus verdes anos, vendo sua família ser desmembrada aos poucos, logo após a morte de sua mãe, chama-os com tais nomes, sem atribuir a eles nomes próprios capazes de guardar a identidade singular de cada um. Esses nomes parecem estar perdidos na memória do passado, tão sofrido, e resta ao narrador chamar os familiares de sua infância de forma banal, quase genérica: o pai, os irmãos, os vizinhos, a madrasta, a mãe.
A estrutura do texto de Bartolomeu Campos de Queirós se dá em parágrafos que se desgarram dos outros. Cada alínea guarda uma lembrança, uma reflexão, uma nova dor a ser explorada pelo narrador, ou a mesma dor, porém de forma politrópica. A não linearidade da narrativa, também, contribui para simular as lembranças do protagonista, que conta o passado de forma muito tocante. A todo momento, metáforas e outras figuras de linguagem são utilizadas, enaltecendo com observações profundas imagens banais e dando um tratamento poético à prosa, sensibilizando os leitores.
Como posto em evidência no próprio título, a cor vermelha é o principal símbolo desse livro. Além do projeto gráfico, antes feito pela editora Cosac&Naify, posteriormente adaptado pela Global Editora, o espectro da dita cor paira ao longo de todo o romance. Embora o título do livro se refira especialmente ao amargor dos tomates (representação da dor do protagonista), antes doces e cortados pelas mãos e com o amor da mãe, e depois de sua morte, adquirirem um amargor pela entrada da madrasta na vida do narrador, que os corta de forma bruta, muito diferente da maneira da falecida, o vermelho amargo também pode ser uma alusão a outros componentes da história. O amor em excesso e que corrói o interior do protagonista pode ser um exemplo, uma vez que a palavra amor costuma ser permeada por símbolos em vermelho. Outro caso é a citação ocasional de nomes de santos católicos, constantemente conhecidos por serem representados, em algumas pinturas, com corações vermelhos em chamas, simbolizando seu forte espírito de amor pela caridade ao próximo. Apesar dessas possíveis interpretações referidas, penso que o vermelho permaneceu doloroso, uma cor que marcou de forma negativa a vida do menino-narrador, e não importa se ela é representada com outras faces: todas elas têm o amargor dos tomates, das memórias manchadas pela ausência da mãe e pela melancolia que acompanha o passado, incapaz de ser restituído.