Finalmente, após anos de protelamento, peguei para ler algo de Adélia Prado e o que eu encontrei em ‘Os componentes da banda’ foi pura manifestação de poesia em prosa. Nesse livro, temos uma narradora que lembra de sua infância e adolescência, refletindo sobre como sua vida era no passado e o que ela se transformou no presente. Além disso, a narradora, que compõe músicas, mostra ao leitor os componentes de sua banda, a banda que fez parte de sua vida e que agora canta para ela em meio a suas memórias. Aos poucos, conheceremos as avós, os tios, os irmãos, os pais e os amigos que estiveram presentes no passado da narradora, sendo que todas essas lembranças são mostradas com um sentimento de saudade tocante e emocionante.
É impossível não pensar em Divinópolis (ou qualquer cidade do interior de Minas, penso eu), cidade em que Adélia nasceu e mora até hoje, durante a leitura desse livro. Está tudo ali. Os causos dos familiares e vizinhos, as comadres que se sentam no passeio da rua pra fofocar, o costume religioso de ir à missa todos os domingos, os colegas chamando no portão pedindo açúcar emprestado pra fazer bolo de fubá e catar lenha no mato pra pôr no fogão… Tais características que são lembradas pela protagonista enriquecem a narração e dão um toque sempre presente no livro de afabilidade.
A autora tem uma capacidade impressionante de transformar em grande aquilo que é banal. Fazer ter profundidade e beleza inefável naquilo que, para nós, já não possui nada a acrescentar em nossas vidas. E é justamente essa capacidade que transforma esse livro tão singelo em algo além disso. É a poesia em sua mais pura expressão: as pequenices e aparentes insignificâncias da vida.
“Eu estava crescendo como borboleta dentro da lagarta, compreendia palavras que toda a vida ouvira, repetira e mesmo ensinara, só agora, vendo no céu uma cavidade entre nuvens, em forma de coração de intenso e luminoso amarelo. O Criador dizia à criatura: amo-te. Não tive medo da morte e respondi: eis-me.”